Em Iteanos de Destaque, entrevistamos o Major-Brigadeiro do Ar José Virgílio Guedes de Avellar (T02), 54 anos, curitibano, atual comandante do Primeiro Comando Aéreo Regional (I COMAR) em Belém, PA. Formado Aviador pela Academia da Força Aérea (AFA) e Engenharia Mecânica (graduação, mestrado e doutorado) pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Avellar compartilha sua experiência única, ressaltando como sua sólida formação acadêmica e prática moldou sua trajetória na Força Aérea Brasileira (FAB). Nesta entrevista, o oficial-general do Comando da Aeronáutica explora a interseção entre Engenharia e Aviação.
ITAEx – Major Brigadeiro Avellar, como a sua formação acadêmica (graduação, mestrado e doutorado) e também sua atuação como professor e pesquisador do ITA contribuiu para sua trajetória como aviador e Oficial General da Força Aérea Brasileira (FAB)?
MB Avellar – A formação acadêmica no ITA é conhecida por sua excelência e, no meu caso, esse conhecimento técnico profundo, primeiro na Graduação em Engenharia Mecânica e depois, com o Mestrado e Doutorado na área de Análise Operacional, que é a Pesquisa Operacional aplicada na área militar, contribuiu diretamente para o desenvolvimento de habilidades analíticas específicas para a resolução de problemas complexos, muito frequentes no nosso dia a dia dentro da Força Aérea.
100 dias da Turma 2002
Já o papel como docente na Graduação do ITA implicou não apenas em transmitir conhecimento, mas também em estar constantemente atualizado com os avanços da ciência e da tecnologia. Esse ambiente acadêmico estimulou a criação de novas ideias, a troca de conhecimento entre as Forças Armadas e o setor civil, além de fortalecer o pensamento estratégico e a capacidade de liderança.
Para um Oficial-General da FAB, essa formação acadêmica é importante, pois amplia a sua capacidade de análise, inovação e liderança. Hoje o ITA tem o Programa de Pós-Graduação em Aplicações Operacionais, o PPGAO, que é um curso voltado para a especialização de oficiais da FAB e de outras Forças Armadas, com foco no aprimoramento do uso de tecnologia e ciência em operações militares. Seu principal objetivo é capacitar os oficiais para integrar conhecimentos científicos e tecnológicos em contextos operacionais, aprimorando a eficiência das ações militares e o uso estratégico de recursos. O PPGAO é particularmente importante para a formação de líderes militares em um ambiente de guerra moderna, no qual a tecnologia desempenha um papel crucial. O curso promove a capacitação dos oficiais em pesquisa aplicada, incentivando o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas e científicas para problemas operacionais. Isso pode incluir o desenvolvimento de novos sistemas de controle, ferramentas de simulação, otimização de operações e até inovações em logística e inteligência, essenciais para oferecer uma vantagem competitiva em termos de conhecimento técnico e científico, o que pode abrir, para esses Oficiais, portas para futuras funções de Comando, Chefia e Direção dentro da FAB.
ITAEx – Quais desafios enfrentou ao transitar da aviação para a engenharia, e como essa experiência moldou sua visão sobre a importância da integração entre tecnologia e operações aéreas?
MB Avellar – Minha transição foi muito tranquila, na verdade nem encaro como uma transição. Em nenhum momento da minha carreira eu senti que deixei de ser aviador para ser engenheiro. A engenharia basicamente complementou minhas atividades de Oficial Aviador. Quando me formei em Engenharia Mecânica no ITA, praticamente migrei para a área de Engenharia de Produção que, no ITA, é uma das áreas da Engenharia Mecânica. Na Produção, acabei me especializando em Pesquisa Operacional, sendo que meu Trabalho de Graduação no ITA foi voltado para aperfeiçoar o Sistema Integrado de Supervisão e Gestão de Parâmetros Operacionais (SISGPO) da FAB, que, resumidamente, distribuía horas de voo para as Unidades da Força, gerenciando seus recursos humanos e financeiros da forma mais eficiente possível.
Em seguida, iniciei meu Mestrado na primeira turma do PPGAO, em meados de 2003, na área de Análise Operacional. Em paralelo, trabalhava no Instituto de Estudos Avançados (IEAv), na Divisão de Sistemas de Apoio à Decisão, junto com Mestres e Doutores, a maioria civis, que buscavam soluções eficientes para os sistemas operacionais da Força. Eu utilizava meus conhecimentos de engenharia e de aviação simultaneamente, e ambos se complementavam. Consegui, em meus trabalhos acadêmicos de graduação, mestrado e doutorado, correlações com estudos de casos voltados a problemas operacionais da FAB, basicamente porque a Pesquisa Operacional te proporciona muitas ferramentas que têm aplicações práticas em problemas do cotidiano, e a FAB sempre foi um pouco carente desse tipo de ferramentas.
Prova disso é que, recentemente, foi criado um curso de especialização no ITA, que está sendo um sucesso em aceitação, chamado CEAO (Curso de Especialização em Análise Operacional), onde o Oficial vem para o ITA durante alguns meses, não se desvinculando de sua Organização Militar, e leva o conhecimento adquirido para melhorar os processos em sua Unidade de origem.
Além do PPGAO, que é um curso de especialização, nível mestrado e doutorado, temos esses cursos de especialização, que proporcionam aos Oficiais uma formação valiosa, que amplia suas capacidades analíticas e estratégicas para enfrentar os desafios complexos das operações militares modernas, melhorando a eficiência e a eficácia das atividades da FAB.
ITAEx – Que diria aos alunos do ITA, considerando sua experiência como engenheiro e aviador?
MB Avellar – Que invistam nas habilidades humanas e nas habilidades conceituais, pois vão acompanhar vocês em todas as fases de sua carreira. Enquanto a habilidade técnica, inquestionável em um engenheiro formado no ITA, vai diminuindo em importância ao longo da carreira, as habilidades humanas e conceituais, ao contrário, só crescem em relevância.
As habilidades humanas se referem à capacidade de interagir, trabalhar em equipe, liderar e motivar outras pessoas. Isso inclui comunicação, empatia, inteligência emocional e capacidade de resolver conflitos. No início da carreira, é importante saber trabalhar em equipe, seguir orientações e colaborar. A comunicação clara e o respeito pelos colegas facilitam a adaptação e a integração no ambiente de trabalho. Na medida que o profissional avança na carreira, essas habilidades humanas se tornam mais essenciais para liderar pequenas equipes, mediar conflitos e gerenciar relacionamentos com colegas, clientes e superiores. Chegando no topo da carreira, como gestor ou líder, as habilidades humanas são cruciais para inspirar, motivar e gerenciar pessoas, promovendo um ambiente de trabalho saudável e produtivo.
Já as habilidades conceituais estão ligadas à capacidade de pensar estrategicamente, lidar com ideias abstratas, resolver problemas complexos e tomar decisões de longo prazo. Elas envolvem criatividade, visão holística e análise crítica, estando relacionadas com a capacidade do profissional transformar a habilidade técnica, que ele aprendeu lá no início da carreira, em algo inovador. A relevância das habilidades conceituais também muda ao longo do tempo. No início da carreira, as habilidades conceituais são úteis, mas geralmente são menos exploradas em papéis operacionais ou técnicos, nos quais a execução (habilidade técnica) é mais importante que a visão estratégica. À medida que o profissional assume responsabilidades maiores, como o planejamento e a supervisão de projetos, as habilidades conceituais começam a se destacar, pois exigem uma visão de médio a longo prazo, além da capacidade de antecipar problemas e soluções. No topo da carreira, as habilidades conceituais se tornam essenciais para se definir a estratégia da organização, tomar decisões em cenários incertos e complexos, e alinhar as operações com os objetivos de longo prazo da empresa.
Logo, ao longo do tempo, as habilidades humanas e conceituais se complementam. Um líder que consiga lidar bem com as pessoas e que também tenha uma visão estratégica e analítica, tende a ser mais eficaz em tomadas de decisões e em conduzir a organização para o sucesso. E como o ITA tem a vocação de formar líderes, esse é meu conselho aos Alunos do ITA de hoje. Invistam nessas duas habilidades!
ITAEx – O que o ITA lhe proporcionou na Engenharia e o senhor aplicou em suas atuações como aviador, já que voltou a atuar na aviação?
MB Avellar – Após concluir meu doutorado no ITA, tive a grata surpresa de voltar à atividade operacional, comandando uma Unidade Aérea e, em seguida, uma Base Aérea. Isso não é muito normal dentro da Força Aérea.
Um fato curioso, que aconteceu quando eu estava cursando meu doutorado no ITA, e era pesquisador do IEAv, foi que, em uma conversa no cafezinho, um doutor renomado na área de Engenharia Nuclear, chegou para mim e disse, com toda a sinceridade: “Avellar, gosto muito de você, por isso vou te dizer isso. Acho você muito prático para ser pesquisador! Tente outra área que você vai ser mais feliz”. Imaginem como me senti, o mundo desabou, estava terminando o doutorado e seguindo meu caminho como cientista e, de repente, uma observação dessas!
Bom, só sei que, depois desse dia, a minha vida na FAB foi naturalmente me levando para a área operacional, de onde praticamente nunca mais saí. Foram cinco comandos (Esquadrão de Voo, Base Aérea, Instituto na área Operacional, Ala Operacional e Comando Aéreo Regional), nos quais procurei utilizar todo o conhecimento que aprendi nos anos acadêmicos para melhorar os processos dessas organizações. Fui, e estou sendo, muito feliz na área operacional. Parece que a FAB ouviu o conselho do doutor do cafezinho!
Muitas vezes achamos que estamos no caminho certo e o destino nos reserva surpresas. A vida é cheia de imprevistos e, por mais que o planejamento seja extenuante e bem feito, nem sempre o destino segue o que esperamos. Essas surpresas podem nos desafiar, mas também podem abrir portas para novas oportunidades e aprendizagens que não havíamos considerado. Muitas vezes é nesses momentos inesperados que crescemos e encontramos caminhos que nos levam a lugares ainda melhores do que havíamos imaginado.
Agora, creio que uma formação acadêmica diferenciada pode ampliar significativamente a sua capacidade analítica e de liderança e, com isso, influenciar diretamente no cumprimento da missão de cada Organização e da Força Aérea como um todo.
ITAEx – O senhor escolheu fazer o ITA após a formação na Academia da Força Aérea (AFA), passou em concurso interno e conseguiu. O que o fez tomar essa decisão?
MB Avellar – Acho que o primeiro motivo que me impulsionou a fazer a Graduação no ITA foi o desafio de cursar a melhor faculdade de Engenharia do País. Sou filho de um engenheiro químico e tenho dois tios engenheiros mecânicos. Logo, a vocação para a Engenharia está no sangue da família Avellar.
Além disso, o final da década de 1990 foi uma época muito difícil para a Força Aérea e, principalmente, para os aviadores, pois se voava muito pouco. Eu servia em Florianópolis, no 2º Esquadrão do 7º Grupo de Aviação (2/7 GAv), como piloto de patrulha, e lá voávamos a aeronave P-95B, o famoso “bandeirulha”. Em 1995, ocorreu a desativação do último P-16 Tracker, do 1º Grupo de Aviação Embarcada (1º GAE). Isso fez com que a Aviação de Patrulha não tivesse mais um esquadrão de 1ª linha para a natural ascensão operacional dos pilotos daquela época.
Dessa forma, por uma conjunção de fatores, decidi seguir o caminho do ITA, me desligando do Esquadrão Phoenix no final de 1997, para ingressar, em 1998, no primeiro ano do ITA e passar a fazer parte da incrível Turma 02.
ITAEx – Por que o contrário não acontece – o engenheiro ser também aviador, depois do ITA? Não seria uma experiência diferente para quem desenvolve uma aeronave?
MB Avellar – A ideia de um engenheiro formado pelo ITA também se tornar aviador parece interessante, pois poderia proporcionar uma experiência mais completa no desenvolvimento de aeronaves. Um engenheiro, que também pilota, entenderia diretamente como o projeto afeta o desempenho e a operação prática. No entanto, existem alguns motivos práticos e estruturais que explicam por que isso não é uma prática comum.
A formação no ITA é voltada para desenvolvimento, projeto e inovação de sistemas aeronáuticos, com foco técnico-científico. Já a formação do aviador na AFA prioriza a operação e a execução de missões aéreas. As duas formações são extensas e demandam dedicação exclusiva, tornando impraticável para uma pessoa seguir ambas simultaneamente. Aviadores e engenheiros, embora interajam, possuem papéis bastante especializados.
A FAB e outras instituições preferem que os profissionais se tornem altamente qualificados em suas respectivas áreas de atuação. O engenheiro, ao focar no desenvolvimento de aeronaves, é mais útil ao projetar e melhorar sistemas, enquanto o aviador se especializa em operá-los com precisão. Após o ITA, muitos engenheiros seguem carreiras civis em empresas aeronáuticas ou outras indústrias, enquanto os aviadores da AFA continuam em carreiras militares, com foco na área operacional. Tornar-se aviador poderia desviar o engenheiro de seu objetivo original, de inovar e desenvolver tecnologias aeronáuticas.
Dito isso, certamente seria uma experiência enriquecedora para um engenheiro pilotar as aeronaves que ele projeta, mas o sistema atual está estruturado para maximizar a eficiência, com cada profissional focado em sua área de especialização. No entanto, há ocasiões em que engenheiros-aviadores existem, como no caso de pilotos de teste, que muitas vezes têm conhecimentos avançados em Engenharia, para avaliar protótipos e novas aeronaves.
ITAEx – As emergências em voo são melhor administradas por um engenheiro-aviador?
MB Avellar – Um engenheiro-aviador pode ter vantagens em administrar emergências em voo, devido à combinação de conhecimentos técnicos profundos e habilidades de pilotagem. Essa formação dupla pode oferecer uma série de benefícios em situações críticas.
No entanto, vale destacar que todos os aviadores são amplamente treinados para lidar com emergências. Pilotos passam por treinamentos rigorosos e simulações para saber como reagir em uma variedade de cenários de crise, mesmo sem formação em Engenharia. Um engenheiro-aviador pode ter uma vantagem adicional, mas a capacidade de administrar emergências em voo é algo exigido de todos os pilotos e são por eles treinadas à exaustão.
ITAEx – O que é importante para uma Força Aérea do futuro? Mais aviadores ou mais engenheiros?
MB Avellar – Na Força Aérea do futuro, tanto os aviadores quanto os engenheiros serão essenciais, cada um desempenhará funções diferentes, porém complementares. A importância de cada um dependerá do contexto operacional e da necessidade da missão.
Os aviadores serão os responsáveis por pilotar aeronaves, realizar operações de combate, transporte, vigilância e outras missões aéreas que ainda podem surgir em um futuro próximo. Eles estarão diretamente envolvidos nas atividades operacionais da FAB, sendo cruciais para o cumprimento das missões táticas e estratégicas.
Já os engenheiros, esses estarão voltados para o desenvolvimento, a manutenção e a operação de sistemas aeroespaciais e de defesa, garantindo que as aeronaves, satélites, radares, sistemas de comunicação e outros equipamentos funcionem corretamente. Eles serão fundamentais para a segurança e a eficiência das operações aeroespaciais, oferecendo suporte técnico adequado para o cumprimento dessas missões.
Ambos serão extremamente essenciais para o funcionamento da FAB, os aviadores conduzindo as operações diretamente, enquanto os engenheiros assegurando que essas operações sejam possíveis e seguras por meio do suporte técnico e da inovação tecnológica.