Com uma carreira marcada por desafios complexos e decisões estratégicas, Ilson Peres Dal-Ri Jr. (T96), Managing Director & Senior Partner do Boston Consulting Group – BCG, compartilha sua visão sobre o impacto da formação como engenheiro mecânico-aeronáutico no Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, os rumos da transição energética e o papel das novas gerações de engenheiros.
Ilson reflete sobre sua escolha pela consultoria, os desafios regulatórios e tecnológicos do setor de energia e o valor da rede de ex-alunos. Ele também destaca a importância da Disciplina Consciente e do engajamento dos alumni com a ITAEx como força propulsora para o futuro da comunidade iteana.
Trajetória e legado do ITA
ITAEx – Sua trajetória é impressionante, com mais de 25 anos de experiência em consultoria e uma posição de destaque no BCG. Como a formação no ITA, especialmente na área de Engenharia Mecânica, contribuiu para sua carreira na consultoria?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – O ITA teve um papel muito importante para minha carreira em múltiplas dimensões. Eu destacaria o rigor analítico, a capacidade de trabalhar sob pressão e a resiliência como sendo habilidades naturalmente desenvolvidas ao longo da formação que, com certeza, me ajudaram muito a lidar com os desafios e dinamismo do mundo corporativo. No caso de consultoria de gestão em particular, estamos sempre lidando com problemas complexos, com elevado valor em jogo, que precisam ser endereçados dentro de deadlines relativamente curtos. Conseguir gerenciar bem a ansiedade ao mesmo tempo em que se desenvolve uma solução analiticamente robusta para os clientes não é um balanço trivial – o elevado padrão exigido pelo ITA em uma dinâmica de desafio contínuo certamente gerou aprendizados que impactaram positivamente minha trajetória profissional.
ITAEx – A transição do ITA para a área de consultoria é um caminho interessante, considerando que muitos ex-alunos seguem para a área técnica ou empreendem. O que o motivou a escolher consultoria como carreira e como o ITA o preparou para essa jornada?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Na minha turma a carreira de consultoria era uma opção tradicional, com vários colegas indo para esse setor. O que me atraiu foi a expectativa de uma progressão acelerada de carreira, podendo chegar a sócio num horizonte de dez anos após formado. Além disso, havia perspectiva de uma curva acelerada de aprendizado, trabalhando em projetos para múltiplas indústrias/clientes em uma grande variedade de temas. Como mencionei antes, o ITA me possibilitou desenvolver habilidades que se mostraram essenciais para a minha trajetória quando comecei a trabalhar.
Futuros líderes e o papel do ITA
ITAEx – Como um apoiador da ITAEx e envolvido com iniciativas de apoio à comunidade iteana, qual a sua visão sobre como o ITA pode contribuir para formar futuros líderes em consultoria e em áreas como a Engenharia de Energia?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Considerando o elevado e crescente dinamismo no ambiente de negócios, as dimensões de adaptabilidade e foco em aprendizado contínuo certamente deveriam ganhar peso no processo de formação de novos profissionais. Vejo o tempo todo dentro do BCG como novas tendências surgem e a velocidade com a qual elas são absorvidas pelos diversos agentes econômicos, redefinindo muito rapidamente quem irá liderar as futuras ondas de crescimento e produtividade. Mais do que nunca, não há espaço para “zona de conforto” ou comodismo. A capacidade de aprender e se adaptar continuamente é a regra do jogo. Acho que seria fenomenal se o ITA, além da formação tradicional, pudesse proporcionar aos alunos maior proximidade com esse dinamismo, seja na dimensão de tecnologia aplicada, com maior proximidade a fontes de funding e parcerias com universidades estrangeiras de referência, seja com maior proximidade aos desafios técnicos e de gestão do setor corporativo.
Transição energética e desafios do setor
ITAEx – No seu trabalho com a prática de Energia do BCG, tem se dedicado à análise de desafios da transição energética. Quais são os maiores obstáculos enfrentados, especialmente no que diz respeito às redes elétricas, e como o Brasil pode se preparar melhor para superá-los?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Essa é uma pergunta complexa, com diversas dimensões. Destacaria inicialmente dois fatores, relacionados à mudança de configuração do setor. Primeiro, a mudança do perfil das fontes – o sistema elétrico se configurou com base em fontes previsíveis (hidro de forma estocástica), depois amparado por termelétricas com despacho bem assertivo. Nos últimos anos, no entanto, fontes intermitentes foram crescentemente adicionadas à matriz elétrica, o que aumentou o grau de incerteza inerente do sistema. O segundo seria o crescimento expressivo da geração distribuída (painéis solares, roof top), trazendo maior complexidade ao sistema tanto na redução da demanda ao longo do dia, quanto na possibilidade de inserção do excedente gerado na rede elétrica. Tais fatores por si só já demandariam a revisão do desenho da modelagem para o setor. Outro desafio importante observado em múltiplos países é garantir capacidade de expansão e modernização das redes elétricas, as quais muitas vezes tem se transformado em gargalos para a continuidade da expansão da geração renovável necessária para a transição energética. Para superar os desafios é necessário rever o desenho da modelagem para o setor, garantindo maior robustez na regulação e no planejamento integrado de longo prazo nesse novo contexto.
ITAEx – O BCG recentemente publicou um relatório apontando que a infraestrutura de rede elétrica pode ser o maior desafio para atingir as metas de “Net Zero”. Quais são as estratégias que você acredita serem essenciais para acelerar os investimentos em redes e tornar o Brasil mais preparado para uma transição energética bem-sucedida?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – A principal alavanca para redução de emissões pelo setor energético (geração de energia, transportes, indústria) passa pela eletrificação. Então é esperado que a demanda por energia elétrica continue a crescer acima do crescimento do PIB, particularmente para fontes renováveis. Em complemento ao investimento em geração, será essencial aumentar os investimentos tanto na expansão das redes (pois nem sempre produção e carga estarão na mesma geografia) quanto no aprimoramento da inteligência de sua gestão. Para tanto, a revisão do marco regulatório, permitindo remuneração mais atrativa para investimentos em redes inteligentes, armazenamento e digitalização seria um passo importante, bem como acelerar o licenciamento ambiental para linhas de transmissão e aprimorar o planejamento da expansão da malha elétrica, alinhando-o com os avanços das fontes renováveis. Por fim, o uso de tecnologias digitais para previsão de demanda e geração intermitente pode melhorar a eficiência e confiabilidade das redes, reduzindo perdas e otimizando investimentos.
ITAEx – Como vê a evolução das tecnologias emergentes como o hidrogênio verde e a captura de carbono, e como essas inovações podem se integrar aos sistemas energéticos existentes? Há paralelos entre essas tecnologias e o desenvolvimento das energias renováveis, como solar e eólica?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Essas tecnologias passarão pelo aumento de competitividade típico atrelado a curvas de experiência como vimos no caso da eólica e da solar, sendo críticas para descarbonização de setores como indústria pesada e transportes de longas distâncias. Nossa visão é que o Brasil será um fornecedor relevante de energia limpa, particularmente com duas grandes alternativas para a nova economia: hidrogênio de baixo carbono (e seus derivados como, por exemplo, a e-amonia e o e-metanol) e data centers. Cada unidade requer vários GWs de energia elétrica. Estes investimentos bilionários têm múltiplos desafios para sua viabilização, mas como seu impacto é de médio e longo prazos, somos otimistas que irão se concretizar. Já as tecnologias de Captura, Uso e Armazenamento de Carbono – CCUS é um outro ângulo, investimentos que levariam à remoção de carbono emitido. O Brasil já pratica essa captura, por exemplo, no caso da produção offshore de petróleo. Mas novos investimentos exigiriam configurações específicas e geograficamente mais localizadas junto a polos industriais como no Sudeste. Neste tema da captura, somos entusiastas do potencial de BECCS – Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono, que aproveitaria o imenso potencial da nossa agricultura para captura de um CO₂ biogênico (de origem renovável).
ITAEx – Acredita que a inteligência artificial generativa pode desempenhar um papel importante na otimização da gestão energética e na aceleração da transição para um futuro mais sustentável?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Com certeza para aprimorar a gestão do sistema como um todo, especialmente para modelagem de cenários energéticos complexos, antecipando eventuais restrições operacionais, integrando sistemas, automação de processos de operação e manutenção de redes, etc., permitindo utilizar os avanços da tecnologia para maior inteligência na otimização e na gestão da rede. De uma forma mais específica, ela poderá ser usada para prever demanda com mais precisão, otimizar fluxos energéticos em tempo real, e acelerar o desenvolvimento de soluções customizadas para eficiência energética. Além disso, pode auxiliar na análise de grandes volumes de dados sobre emissões, clima e consumo, ajudando a tomar decisões mais rápidas e informadas.
ITA Fortaleza e as novas engenharias
ITAEx – O ITA Fortaleza vai oferecer, em 2027, novos cursos focados em Engenharia de Energia e de Sistemas, inicialmente, e Bioengenharia mais pra frente. Como esses campos podem ajudar a formar engenheiros que irão liderar a transformação energética no Brasil e no mundo? Quais habilidades e conhecimentos acredita serem essenciais para esses futuros engenheiros?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – A transição energética é um imperativo para a sociedade e com certeza ganhará muito momentum ao longo da próxima década, quando essa nova geração de engenheiros estiver se formando. Os investimentos demandados nesse processo estão na casa de trilhões de dólares anuais, com elevada demanda de desenvolvimento tecnológico e de ganhos de produtividade energética em processos produtivos. Nesse contexto, esse novo curso a ser oferecido pelo ITA certamente guardará grande conexão com uma macrotendência que impactará muito a vida de todos nós ao longo dos próximos anos. Em termos de habilidades essenciais para esses futuros engenheiros, acredito que visão sistêmica será fundamental, incluindo aí os conceitos de descarbonização, adaptabilidade, modelagem energética, gestão de dados, inteligência artificial e resiliência de redes. Além do conhecimento técnico e capacidade analítica, essa visão sistêmica também deve incluir uma forte dimensão de economicidade, visando ganho continuo de competitividade nas atuais e nas novas tecnologias que venham a ser aplicadas para viabilizar uma transição energética com maior velocidade e com garantia de robustez para todo o sistema.
Consultoria, inovação e o papel do BCG
ITAEx – Você tem trabalhado ativamente com grandes players do setor de energia. Como as empresas brasileiras estão se posicionando em relação à transição energética global? E qual o papel da consultoria, em especial do BCG, nesse processo?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Assim como acontece em outros países, as empresas brasileiras estão em diferentes estágios da jornada de transição. Muitas já se deram conta que uma parcela significativa de suas emissões pode ser neutralizada com tecnologias já disponíveis atualmente e já definiram planos específicos de como atingir suas ambições de descarbonização. Temos observado também alguns esforços setoriais englobando vários players de um determinado segmento, muitas vezes em contextos onde tais setores estão mais diretamente expostos aos efeitos das mudanças climáticas e movimentos de adaptação no curto e médio prazos se fazem necessários. Nesse cenário, o papel do BCG tem sido apoiar empresas em toda a jornada da transição energética: desde a definição de metas net zero com base científica, até a revisão de portfólios, reengenharia de operações, estratégias de inovação e financiamento climático, e engajamento com stakeholders e políticas públicas. Também temos trabalhado com governos (somos um parceiro tradicional das Conferências das Partes das Nações Unidas– COPs), bancos e organizações multilaterais para destravar investimentos em infraestrutura verde e apoiar o desenvolvimento de ecossistemas industriais de baixo carbono.
Engajamento com a ITAEx e Disciplina Consciente
ITAEx – Que sugestões daria para os novos alunos do ITA, especialmente aqueles interessados em áreas como consultoria e energia, e que buscam fazer a diferença no mundo?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Voltando a um tema que explorei anteriormente, o nível de dinamismo e incertezas do mundo em que vivemos hoje tem aumentado significativamente. Nesse contexto, acredito que a habilidade de se adaptar e aprender continuamente é de suma importância. A carreira de consultoria é naturalmente demandante nesse sentido, visto que precisamos estar sempre na ponta de lança das novas tendências para conseguir aconselhar nossos clientes de forma relevante, traduzindo tais tendências em impactos tangíveis no dia a dia de suas organizações.
ITAEx – O que o motiva a se tornar um apoiador da ITAEx e qual a importância, na sua visão, de os ex-alunos se envolverem e contribuírem para o crescimento e o fortalecimento dos alunos em curso no ITA?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Tendo feito pós-graduação em uma faculdade no exterior, ficou muito claro para mim a importância que a rede de alumni tem para o dia a dia da vida acadêmica. Isso se materializa de diversas formas, desde contribuições aos fundos de endownment ou financiando projetos específicos via VC funding para start-ups de novas empresas, até o suporte para o desenvolvimento de estudos de caso e participando de discussões ao vivo em salas de aula, aumentando em muito a aplicabilidade prática para os alunos dos conceitos explorados em sala de aula. Nesse sentido, vejo a iniciativa de criação da ITAEx como uma semente importante que pode trazer muitos benefícios para a comunidade Iteana e para a sociedade. Foi com esse espírito que comecei a contribuir.
ITAEx – A Disciplina Consciente – aquela que envolve não apenas o foco, mas também a ética, a visão de longo prazo e a adaptação às mudanças – tem influenciado suas decisões e seu desenvolvimento profissional?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Acho que o ponto mais importante da Disciplina Consciente é o do compromisso de fazermos o que acreditamos ser o certo para as instituições e causas nas quais nos envolvemos. Nesse sentido, acho que é certamente um ativo para toda a comunidade iteana.
ITAEx – Para muitos ex-alunos, o apoio à ITAEx pode parecer distante ou desafiador. Que mensagem daria para aqueles que ainda não estão engajados, mas que poderiam contribuir com seu tempo, conhecimento ou recursos para ajudar a Associação a expandir suas iniciativas e apoiar as novas gerações de iteanos?
Ilson Peres Dal-Ri Jr. – Instituições como a ITAEx têm um objetivo nobre mas que só pode ser atingido com o engajamento abrangente de todos nós, ex-alunos do ITA. Nossa contribuição individual pode parecer pequena mas com certeza faz a diferença, seja via recursos financeiros ou tempo. Quanto mais pessoas engajarem, maior será o impacto. Sinto muita gratidão pelo que o ITA me proporcionou em termos de formação e vejo minhas contribuições como um pequeno gesto de retribuição.