O engenheiro eletrônico Horacio Aragonés Forjaz (T74) reflete sobre a carreira e os desafios enfrentados ao longo de sua trajetória na Embraer, desde seu início como estagiário em 1974 até ocupar a posição de Vice-Presidente Executivo. Nascido em São Paulo, sua formação no Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA e sua experiência prática na indústria aeronáutica o levaram a se tornar conhecido no setor. Ao longo da entrevista, Forjaz compartilha sua visão sobre o futuro da engenharia aeroespacial no Brasil, a importância da educação, da inovação tecnológica e da colaboração entre indústrias e governos.
Além de sua contribuição para a Embraer, Horacio Forjaz acumula histórico de apoio a ONGs voltadas à educação e à assistência social, bem como a promover a formação de novos engenheiros através de competições estudantis de Engenharia, como a SAE BRASIL AeroDesign.
Conheça mais sobre sua jornada, a importância do trabalho em equipe e o papel crucial das universidades e associações de ex-alunos na construção de um futuro mais competitivo para o Brasil.
ENTREVISTA
ITAEx:Você começou sua trajetória na Embraer ainda como estagiário, em 1974, e logo passou a integrar o time de engenheiros. Como foi esse início na empresa e como o trabalho prático na área de Engenharia de Sistemas ajudou a moldar sua visão sobre o setor aeroespacial?
Forjaz: Em 1974, a Embraer – criada em 19 de agosto de 1969, e cujo início de operação deu-se em 2 de janeiro de 1970 – era, por compreensíveis razões, um empreendimento ainda em seus primeiros passos e, como tal, sujeito a incertezas.
Surpreendentemente e contrariamente a minhas expectativas, porém, deparei-me com uma equipe sólida, fortemente motivada e com propósitos – e ambições – bem definidos, características que muito me impressionaram e que já configuravam a hoje famosa Cultura Embraer, instilada pelo engenheiro Ozires Silva em sua equipe de pioneiros do então CTA, desde o Projeto IPD 6504, mais tarde conhecido como o Projeto Bandeirante e que viria dar origem à criação da Embraer, em 1969.
Paralelamente, a década de 1970 caracterizava-se por um grande avanço da tecnologia digital, em grande parte como decorrência da corrida aeroespacial entre os EUA e a antiga União Soviética, e que havia atingido seu auge na década anterior. Componentes eletrônicos digitais rapidamente tiveram sua complexidade e capacidade multiplicadas e seu emprego difundiu-se de forma generalizada, tornando equipamentos e sistemas mais flexíveis, amigáveis, eficientes e seguros, vindo a impactar praticamente todos os segmentos da sociedade organizada. Este foi o período em que a tecnologia digital “subiu a bordo de aeronaves”, pré-anunciando a verdadeira revolução que se seguiria e a importância do domínio de novas tecnologias e disciplinas então emergentes, como computadores embarcados e desenvolvimento e certificação de software.
Como aluno do último ano do curso de Engenharia Eletrônica do ITA, logo dei-me conta que a reunião do ambiente estimulante e motivador da nova empresa com os desafios e oportunidades proporcionados pelo advento da tecnologia digital a bordo de aeronaves descortinavam enorme leque para futuras realizações profissionais e pessoais.
ITAEx: Sua formação acadêmica inclui um mestrado em Computação Aplicada pelo Inpe, obtido em 1980. Como acha que essa combinação de conhecimento técnico e acadêmico contribuiu para sua atuação dentro da Embraer, principalmente na evolução dos sistemas e da tecnologia desenvolvida pela empresa?
Forjaz: O cenário acima descrito – de desafios tecnológicos mas também de novas oportunidades – despertou meu interesse pelo curso de mestrado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, cuja realização demandaria horas de dedicação em paralelo à minha atividade profissional na Embraer. Para tanto, contei com a compreensão e apoio de meus superiores à época, conscientes das novas transformações por que passaria a indústria aeronáutica como um todo e da importância da Embraer contar com especialistas atualizados.
O tema da dissertação final do curso de mestrado, concluído em 1980, foi “Projeto e Construção de um Computador a Bordo de Aeronaves”, em total sintonia com os objetivos do curso. Logo na sequência, em 1981, a Embraer se envolveria oficialmente no desenvolvimento do caça AMX, programa binacional Brasil-Itália em parceria com as empresas Aeritalia e Aermacchi, e que foi o primeiro projeto europeu de uma aeronave cujo sistema aviônico empregava barramento serial digital para transmissão de dados entre equipamentos.
A Embraer participou ativamente do desenvolvimento do sistema aviônico do AMX, constituindo um grupo de duas dezenas de engenheiros e técnicos dedicado e sediado nas instalações da Aeritalia GEQ, junto ao aeroporto de Turim, na Itália, e que tive a honra de liderar. Os conhecimentos adquiridos neste programa influenciaram vários outros desenvolvimentos da Embraer que se seguiram nas décadas de 1990 e 2000, de natureza tanto militar como civil, e devo dizer que o mestrado no Inpe teve contribuição decisiva para meu papel neste processo.
Em 2021, na inauguração da placa da T74 no ITA
ITAEx: Quando assumiu a Diretoria de Engenharia da Embraer em 1991, a empresa passava por grande transformação. Quais foram os maiores desafios durante esse período e como as soluções encontradas impactaram o crescimento da empresa?
Forjaz: Ao final da década de 1980, a Embraer passou por crise financeira de grandes proporções e que se estendeu pela primeira metade da década seguinte, culminando com sua privatização, em dezembro de 1994.
O convite para assumir a Diretoria de Engenharia da Embraer – inesperado e motivo de grande honra – partiu do engenheiro Ozires Silva, primeiro presidente da empresa e que após tê-la liderado com grande sucesso no período de 1970 a 1986, foi novamente chamado a comandá-la em junho de 1991, desta feita em ambiente de crise continuada e grandes desafios à sobrevivência da empresa.
Dentre muitos outros fatores adversos, a Embraer se ressentia do insucesso do Projeto CBA-123, bimotor turboélice para transporte de até 19 passageiros desenvolvido em parceira com a indústria argentina entre 1986 e 1990, aeronave de reconhecidas e mesmo revolucionárias virtudes técnicas, mas que não encontrou a esperada receptividade junto a operadores de linhas aéreas regionais, segmento imerso em ambiente de crise econômica que se aprofundou com a chamada primeira Guerra do Golfo.
O projeto EMB-145 (posteriormente rebatizado ERJ-145), bimotor turbofan para transporte de até 50 passageiros, não deslanchava em face de elevados investimentos requeridos e sua inviabilidade em momento de crise financeira, além de indefinições com a configuração escolhida para o posicionamento dos motores.
Sob a liderança de Ozires Silva rapidamente foi identificada configuração definitiva para EMB-145, com os motores na fuselagem traseira, e foi estruturada arquitetura industrial à base de parcerias de risco, implementada pelo engenheiro Satoshi Yokota, designado Diretor do Programa, que revelou-se de grande sucesso a ponto de mais tarde ter sido copiada por outros fabricantes de aeronaves.
Em paralelo ao foco nos novos programas EMB-145 e Super Tucano, que revelarem-se chave para a recuperação da Embraer em anos seguintes, no ambiente da Diretoria de Engenharia foram introduzidas de forma gradativa alterações importantes de caráter organizacional e foco, objetivando a incorporação de novas ferramentas automatizadas de projeto, formalização e documentação de processos de Engenharia, e melhoria da acuracidade e confiabilidade no controle de projetos e custos associados.
ITAEx: Em 1998, você assumiu a posição de Vice-Presidente Executivo da Embraer, com diversas responsabilidades, incluindo áreas como planejamento, recursos humanos e tecnologia da informação. Como essa experiência em funções mais estratégicas influenciou sua compreensão da gestão e da importância da comunicação dentro de uma empresa de grande porte?
Forjaz: Uma vez privatizada a Embraer, ao final de 1994, o voo inaugural do EMB-145 em agosto do ano seguinte, e sua entrada em operação em abril de 1997, a empresa praticamente renasceu das cinzas, mais ágil, enxuta e beneficiada por novas práticas e visões de negócio introduzidas pelos novos sócios controladores. Em agosto de 1998, já detinha novos e importantes contratos e encontrava-se em franca expansão. O desafio agora era crescer a passos largos mas sem perder o controle, agregando novos quadros, capacitando-os e, principalmente, inoculando a Cultura Embraer que mantinha seus pilares inalterados, mas que, a partir da privatização, passou a incorporar novos elementos, como a visão do negócio integralmente focada na satisfação de sua base de clientes.
ITAEx: Na sua função como Vice-Presidente Executivo de Administração e Comunicação da Embraer, responsável por diversas áreas essenciais como marketing, relações públicas e relações institucionais, como via a importância da comunicação institucional para o fortalecimento da imagem global da Embraer?
Forjaz: Desfrutar de imagem sólida e confiável perante os chamados stakeholders – clientes, acionistas, fornecedores, mídia e público em geral – é uma das condições necessárias para a sobrevivência e a perpetuidade de qualquer empreendimento de porte, e, muito especialmente, para empresas ditas globais, como a Embraer, com instalações em vários países e produtos voando nos cinco continentes.
Marketing, Relações Públicas e Comunicação são vertentes básicas da construção da imagem pública de qualquer empresa ou instituição, seja ela pública ou privada. E em tempos de grandes avanços tecnológicos, em que novidades ganham repercussão global em poucos segundos, administrar de forma adequada a imagem pública adquire importância crítica para o sucesso, e dessa realidade temos testemunhos – bons e ruins – diariamente.
ITAEx: A Embraer é uma das líderes globais no setor aeroespacial, e suas decisões nas áreas de Marketing e Relações Governamentais tiveram grande impacto. Como você lidou com os desafios de manter relações estratégicas com governos e outras entidades internacionais para apoiar os objetivos da empresa?
Forjaz: Uma característica fundamental do trabalho desenvolvido por organizações públicas e privadas é o relacionamento, uma vez que é impossível desenvolver atividades a atingir objetivos de forma isolada. Trabalhamos de forma coletiva, para tanto dependemos de fornecedores e apoios, e o produto de nosso trabalho irá ao encontro de um coletivo de clientes, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Ou seja, uma imensa teia de relacionamentos, em nível nacional e, no caso da Embraer, internacional.
Construir e cultivar relações estratégicas com governos e entidades internacionais relacionadas com atividades aeroespaciais é pilar básico de sustentação para qualquer indústria de porte atuando no setor.
ITAEx: Com sua vasta experiência no setor aeroespacial, você se tornou membro ativo de entidades como o Conselho Diretor da SAE BRASIL e o Conselho Consultivo do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações – CPqD. Como essas atividades complementaram sua trajetória profissional e contribuíram para o desenvolvimento da engenharia e inovação no Brasil?
Forjaz: O relacionamento e a participação em atividades da SAE BRASIL vem de longa data, há mais de 30 anos, quando a associação foi criada, reunindo pessoas físicas – executivos, engenheiros e técnicos – atuando no segmento da mobilidade em nosso País. Com sua atuação, a SAE BRASIL promove a integração entre profissionais, a geração de normas e procedimentos de utilidade pública, a capacitação continuada de profissionais sênior e, principalmente, estimula a formação de novos talentos, egressos de escolas de Engenharia, através de seus programas estudantis Baja SAE, AeroDesign, Fórmula SAE e Eletroquad.
A participação em outros conselhos, como foi o caso das instituições CPqD, Fundação Casimiro Montenegro Filho – FCMF e Invest SP configuraram oportunidade ao mesmo tempo de contribuição e retribuição para a sociedade de conhecimentos adquiridos, e de aprendizado através de compartilhamento de experiências vividas com colegas com trajetórias de relevo em outras organizações.
ITAEx: Você tem se dedicado também a promover a educação e a formação de novos engenheiros, com iniciativas como a competição SAE BRASIL AeroDesign. O que essa competição representa para o futuro da Engenharia Aeroespacial no Brasil e qual é o papel das universidades e escolas técnicas nesse processo de formação?
Forjaz: Ao cabo de 26 edições consecutivas, coroadas de pleno sucesso e sempre em ritmo ascendente, a competição SAE BRASIL AeroDesign construiu sólida imagem e desfruta hoje de inegável prestígio tanto junto à indústria aeroespacial como a comunidade acadêmica brasileira.
Tal prestígio se traduz pela qualidade e pelo número de indústrias que tradicionalmente patrocinam o evento – a maior parte delas desde sua primeira edição, em agosto de 1998 – e pelo fato da competição reunir, todos os anos, da ordem de 1.300 competidores de 90 equipes, oriundas das mais importantes escolas de Engenharia do País, além de outras do exterior, como México, Peru, EUA, Polônia etc. Organizações governamentais, como o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial – DCTA, o ITA e a Prefeitura Municipal de São José dos Campos emprestam seu apoio ao Projeto há muitos anos.
A competição SAE BRASIL AeroDesign permitiu que o interesse pela ciência e o projeto aeronáutico se estendessem a instituições muito além do tradicional eixo de escolas de Engenharia Aeronáutica presentes na região Sudeste. Isto é enormemente valorizado pelas indústrias, que, como salientado em recente declaração de um de seus executivos, enxerga, no espírito de equipe, garra e atitude positiva dos competidores Aero Design, ingredientes de fundamental interesse para a formação de seus quadros. Além, é claro, de conhecimentos teóricos e práticos adquirido em muitas horas de dedicação.
Em 2023, na competição SAE BRASIL AeroDesign
ITAEx: Considerando sua experiência em várias áreas dentro da Embraer, desde Engenharia até Comunicação e Marketing, quais habilidades você acredita serem essenciais para os engenheiros que estão entrando no mercado hoje, especialmente em um setor tão dinâmico e globalizado como o aeroespacial?
Forjaz: O conhecimento técnico é e sempre será pilar fundamental para a carreira de Engenharia na indústria aeronáutica, com crescente valorização de experiências práticas em ambiente competitivo, como as proporcionadas pela competição SAE BRASIL AeroDesign, e que proporcionam aprendizado conhecido pela expressão learning by doing – aprender fazendo!
Por tratar-se o desenvolvimento e a fabricação de aeronaves de fruto de esforço coletivo, envolvendo equipes numerosas integradas por especialistas em uma multiplicidade de disciplinas, cresce a importância dos chamados soft skills: competências como a habilidade de relacionamento interpessoal, o trabalho em equipe, a capacidade de liderança, o domínio de idiomas etc.
ITAEx: Após tantos anos de contribuição para a Embraer, qual é a sua visão sobre o futuro do Brasil na indústria de mobilidade e aeroespacial? O que precisa ser feito para que o País mantenha e expanda sua competitividade nesse cenário global?
Forjaz: Como fruto de um plano estratégico de longo prazo, fundamentado na educação e na pesquisa de alto nível, e que deram origem ao CTA, em 1946, e ao ITA, em 1950, ao cabo de pouco menos de oito décadas o Brasil ocupa hoje posição de destaque na competitiva e agressiva indústria aeronáutica mundial, reconhecido pela excelência de seus quadros técnicos e seus produtos. A Embraer – o nome de maior expressão do mosaico que compõe este universo de empresas e instituições brasileiras de ciência e tecnologia – é, hoje, uma empresa estabelecida de maneira sólida, capaz de enfrentar e superar crises inevitáveis que afetam o mercado de forma periódica. Engenheiros e técnicos brasileiros são reconhecidos – e disputados – por grandes empresas do segmento aeroespacial, por sua competência técnica e produtividade.
Todos os indicadores apontam para a preservação desta posição de destaque no segmento aeroespacial, única em países localizados abaixo da linha do Equador, em anos e década à frente. Naturalmente, competidores há hoje, e mais competidores haverá amanhã, exigindo a preservação do status atual de destaque, permanente atenção e dedicação em termos de capacitação de quadros, absorção/desenvolvimento de novas tecnologias etc.
ITAEx: E, por último, qual a sua visão da nossa Associação e a importância para o futuro de engenheiros formados pelo ITA?
Forjaz: O papel e a contribuição de gerações de engenheiros formados pelo ITA, escola de excelência idealizada pelo gênio do Marechal Casimiro Montenegro Filho, vai muito além da criação da Embraer e de uma robusta base de empresas fornecedoras do setor aeronáutico, segmento onde o Brasil desfruta de prestígio e reconhecimento em todo o mundo: eles estão presentes nos conhecimentos e pesquisas espaciais conduzidas pelo Inpe, na implantação da indústria automotiva nas décadas de 1950 e 1960, na implantação da infraestrutura de telecomunicações e no desenvolvimento do motor a álcool na década de 1970, na informática e automação bancárias na década de 1980.
O reconhecimento entre alunos que passaram por instituição de ensino superior – e por ela tiveram suas vidas transformadas – e a busca por alguma forma de retribuição, constitui tradição estabelecida e desenvolvida em muitos países. No Brasil, em que a legislação não estimula este tipo de iniciativa, ela começa a ganhar força e a ITAEx e sua trajetória – de poucos anos, mas vitoriosa e de crescimento constante – constitui sinalização importante da força e irreversibilidade deste movimento.
A ITAEx deverá crescer em importância e significado para o ITA, contribuindo para sua preservação e perpetuidade, atuando de forma concorrente e complementar ao trabalho de outras instituições de apoio, como a FCMF, a Associação do Engenheiros do ITA – AEITA e o nascente ITA Endowment.