Foto: Fernando Cavalcanti
Da formação no Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA à liderança global, Walter Schalka (T82) compartilha suas experiências e reflexões sobre educação, inovação e o futuro do Brasil no cenário global. Na entrevista abaixo, Schalka – que é membro do Conselho Administrativo da Suzano, multinacional brasileira e referência global na fabricação de bioprodutos desenvolvidos a partir do cultivo de eucalipto – destaca a importância da cultura iteana na sua trajetória, o papel das empresas na formação de líderes e como podemos preparar as novas gerações para os desafios da indústria 4.0 e sustentabilidade.
ENTREVISTA
ITAEx – O que despertou seu interesse pela Engenharia e como foi o seu percurso até ser aprovado no ITA?
Walter Schalka – Como eu era um excelente aluno de Física, Química e Matemática no Ensino Médio, sempre pensamos – meus pais e eu – que a melhor alternativa para mim era cursar Engenharia. Prestei nas melhores escolas do Brasil e entrei na melhor, que é o ITA. Destaco que foi uma sucessão de fatores e não uma escolha predeterminada. Mas o ITA teve um papel fundamental na minha vida pessoal e profissional. Por ser de classe média, estar fora da minha bolha foi muito importante. Morar no H8 teve uma questão fundamental de aprendizado com outras pessoas e respeito à diversidade e à forma de ver completamente a vida de uma forma diferente. Foi muito positivo para minha vida profissional, proporcionando uma preparação sólida e desenvolvendo a resiliência que o ITA oferece a todos os seus alunos.
ITAEx – De que forma o senhor considera que a cultura iteana e a Disciplina Consciente (DC) contribuíram na sua vida acadêmica e profissional?
Schalka – A cultura iteana desempenha um papel fundamental na vida de todos os ex-alunos. As dificuldades enfrentadas durante a jornada no ITA, como a exigência de notas mínimas para evitar a jubilação, e a convivência com colegas altamente capacitados, tanto da minha turma quanto de outras, elevam constantemente o nível de exigência e nos desafiam a atingir novos patamares. Isso, sem dúvida, foi uma experiência muito positiva para mim. Além disso, o ITA é um grande formador de resiliência. As constantes adversidades do cotidiano nos ensinam a lidar com frustrações, o que nos impulsiona a assumir novas responsabilidades, superar desafios e buscar o aprimoramento contínuo. Esse treinamento constante prepara os alunos para a vida, sendo essencial tanto para o desenvolvimento pessoal quanto profissional.
ITAEx – O senhor deixou recentemente a presidência da Suzano, e permanece como membro do Conselho de Administração e de outros comitês. Qual a importância da sua atuação hoje na empresa?
Schalka – Todos nós desempenhamos um papel gradual na preparação das empresas com as quais trabalhamos. Contribuí para transformar a Suzano em uma das empresas mais competitivas do setor, consolidando-se como a maior no mercado global de celulose, com grande relevância na competitividade. Hoje, atuando nos comitês e no Conselho, tenho o dever de olhar para o futuro, identificar as oportunidades de alocação de capital que a empresa continuará a ter, especialmente considerando a excelente geração de caixa e a competitividade de custos que foi construída ao longo do tempo. Como preconiza a filosofia da Suzano, que prioriza o reinvestimento constante, precisamos entender as oportunidades que virão e preparar as pessoas para essas novas oportunidades que o futuro nos reserva
ITAEx – O senhor liderou algumas atividades ao longo desses anos, e cito aqui o ingresso da Suzano no Novo Mercado, o início de operações no segmento de Bens de Consumo e a fusão entre Suzano Papel e Celulose e Fibria. É possível nos dizer qual foi o maior desafio nessas ações?
Foto: Sergio Zacchi
Schalka – Os desafios na Suzano sempre foram muito interessantes, e eu sempre digo que é preciso trabalhar com um conjunto de ações de aproximações sucessivas. Ao longo do tempo, a empresa foi ganhando maturidade, enfrentando novos desafios, mas sempre com a determinação de fazer melhor. Hoje, entendemos que não vivemos mais no mundo do “ou”, e sim no mundo do “e”. As empresas precisam ser boas em todas as áreas em que operam, e entender que têm responsabilidades junto a todos os stakeholders: acionistas, clientes, fornecedores, colaboradores e comunidades. Olhar para todos é fundamental, e esse processo de aproximação constante gera amadurecimento e evolução.
Tivemos desafios significativos, como a adoção do Novo Mercado, a fusão com a Fibria, e o projeto Cerrado, que, à primeira vista, podem parecer os mais relevantes. No entanto, também passamos por importantes transformações, como a transição no setor de papel, a entrada em bens de consumo, o crescimento do segmento de fluff internacional, além da busca incessante por competitividade por meio da redução de custos e enfrentamento de novos desafios tecnológicos e logísticos. Poderíamos passar uma hora detalhando todas as evoluções que tivemos, mas o mais gratificante é perceber que sempre surgem novos desafios. Isso gera um estímulo intelectual e uma necessidade de ação prática para implementar as transformações constantes que a empresa precisa para seguir evoluindo.
ITAEx – Qual é a sua visão sobre o papel da educação e da inovação em posicionar o Brasil como um líder global, especialmente nas áreas de sustentabilidade e tecnologia?
Schalka – O Brasil tem uma oportunidade única no campo da sustentabilidade e pode conquistar uma posição geopolítica relevante no cenário internacional, graças à sua matriz energética, que atualmente é 91% renovável e tem potencial para se tornar ainda mais sustentável ao longo do tempo. Além disso, o custo competitivo da energia no País, aliada à sua natureza renovável, abre portas para a produção de bens com maior valor agregado em termos energéticos, o que pode gerar um impacto significativo nas exportações, trazendo grande valor para o Brasil.
Por outro lado, temos a maior floresta tropical do mundo e, por isso, temos a responsabilidade e a obrigação de preservá-la. Precisamos erradicar o desmatamento ilegal na Amazônia, que hoje representa 97% do desmatamento da região, e, ao fazer isso, devemos construir uma credibilidade internacional que nos permita ocupar mesas de negociações globais. Isso também inclui pressionar o hemisfério norte a endereçar a questão social das mais de um milhão de pessoas que vivem na Amazônia. Essa é uma oportunidade que devemos aproveitar com urgência, e não podemos permitir a continuidade do desmatamento ilegal.
No campo da tecnologia, o Brasil ainda tem desafios a superar. Embora empresas como Embraer e WEG tenham se destacado com inovações tecnológicas e competição global, muitos outros setores ainda apresentam um conteúdo tecnológico inferior ao de outros países. Para competir no longo prazo, precisamos continuar investindo em tecnologia e criar diferenciais competitivos que sustentem nosso crescimento e nossa inovação.
ITAEx – Como o ITA pode contribuir para a formação de novos talentos, especialmente nas áreas de alta demanda como a indústria 4.0, digitalização e sustentabilidade?
Schalka – O ITA é um polo de excelência reconhecido no Brasil e no mundo. Precisamos continuar investindo nele, formando jovens com potencial para se tornarem agentes transformadores, não apenas da sociedade brasileira, mas também da sociedade global. Sempre se destacou por contar com alunos de altíssima qualidade e um corpo docente excepcional. A combinação desses dois fatores é o que fará a diferença no futuro, permitindo que o ITA tenha um impacto não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Eu acredito profundamente nisso, e tenho raízes muito fortes em relação à instituição, que foi fundamental no meu crescimento pessoal e no desenvolvimento do Brasil. Tenho certeza de que podemos ser ainda mais impactantes no futuro. Portanto, devemos continuar investindo no ITA ao longo do tempo.
ITAEx – Como o Brasil pode reter talentos e criar mais oportunidades para crescimento e inovação? E, de que forma o ITA pode implementar mudanças educacionais eficazes que atendam às demandas do mercado global?
Schalka – A educação precisa se transformar à medida que as sociedades evoluem. Não faz sentido preparar um modelo educacional baseado em tecnologias de décadas atrás para uma sociedade futura. Por exemplo, uma criança que entra na escola hoje com sete ou seis anos de idade, e é formada por um sistema educacional que remonta a 20 anos atrás, só começará a contribuir para a sociedade quando tiver 18 ou 19 anos. Isso significa que, na prática, ela estará quase quatro décadas defasada. Por isso, precisamos olhar para a sociedade do futuro, para o modelo de negócios que emergirá e para as tecnologias que vamos vivenciar, adaptando a educação a essas novas realidades.
O ITA tem o papel de entender que não podemos nos basear apenas no modelo de negócios ou nas tecnologias que usamos hoje. Precisamos preparar os jovens para o futuro. Um exemplo claro disso é a inteligência artificial, que, gradualmente, se tornará um agente revolucionário tanto na educação quanto na tecnologia global. Precisamos adaptar as nossas escolas em geral a esse novo modelo. Acredito que o ITA tem todo o potencial para isso, dado o vasto conhecimento de seus professores e alunos, e pode, assim, ser um verdadeiro agente transformador da sociedade.
ITAEx – Como a Suzano trabalha para inserir mulheres em postos de liderança e que expectativas o senhor vê para que isso aconteça em outras empresas nacionais?
Schalka – As mulheres representam 50% da sociedade global e, portanto, merecem e devem ocupar, no mínimo, 50% das posições de liderança no mundo. Para que isso aconteça, precisamos garantir todas as condições necessárias para que elas alcancem essas posições. É essencial eliminar os estigmas e barreiras que ainda existem na sociedade, para permitir que continuem a crescer e a ter a representatividade que merecem.
As mulheres podem e devem estar onde desejam estar, e é nossa responsabilidade proporcionar as condições para que isso seja possível em todas as situações. Isso inclui oferecer creche em período integral após a licença maternidade e garantir, ao longo do tempo, oportunidades de crescimento e desenvolvimento dentro das empresas. Não há nenhuma limitação que as impeçam de continuar ascendendo e assumindo posições de liderança, tanto nas organizações quanto na sociedade como um todo.
ITAEx – Como o senhor conduziu e qual a sua contribuição no grupo de trabalho de empresários do G20 nas áreas de educação e emprego?
Schalka – Tivemos a participação de um conjunto de empresários e executivos no programa do B20 – Business 20, que contribuiu com propostas em oito pilares específicos para o G20. Tive a honra de liderar a área de Employment and Education, onde trabalhei ativamente trazendo ideias de como podemos melhorar o desenvolvimento educacional no Brasil e no mundo, em parceria com os países do G20, além de explorar como o nosso País pode ter uma maior inserção no cenário global da educação e do emprego futuro.
Como mencionado nas respostas anteriores, a sociedade está em constante transformação, e, portanto, a educação também deve passar por esse processo de antecipação às mudanças. Da mesma forma, o mercado de trabalho será profundamente impactado pelas novas tecnologias e pela questão da sustentabilidade.
Meu papel foi, junto aos outros co-chairs e a mais de 130 participantes, buscar ideias que pudessem ser aplicadas tanto no Brasil quanto no mundo para essa adaptação da educação e do mercado de trabalho às novas realidades. Saio com grande alegria e aprendizado, e espero que parte dessas ideias sejam implementadas aqui no Brasil, contribuindo para uma sociedade mais justa e equilibrada. Além disso, acredito que isso pode ajudar o País a ter um papel de maior relevância na geopolítica global.
ITAEx – Que importância vê na ITAEx para a formação de alunos de ITA e no apoio às iniciativas acadêmicas do ITA?
Schalka – Gostaria de iniciar parabenizando o Hexavirato pela criação da ITAEx e, em especial, ao João Gomez, que merece todas as nossas homenagens. A todos vocês, e aos que nos acompanham nesta entrevista, quero destacar a importância do trabalho realizado pela Turma 61: eles desempenharam um papel fenomenal como líderes nesse processo de preparação e na associação de ex-alunos por meio da ITAEx, o que nos permite apoiar ações de professores e alunos no dia a dia do ITA. Agora, com a nova contribuição do Fundo Endowment, podemos fazer ainda mais pelo ITA.
Nós, ex-alunos, temos uma grande responsabilidade e obrigação de retribuir ao ITA e à sociedade brasileira tudo o que recebemos. Precisamos continuar fazendo isso, porque o exemplo dado pela Turma 61 e a equipe da ITAEx é inspirador. Estamos profundamente lisonjeados e maravilhados com o que eles fazem por todos nós.
Vamos seguir em frente, fazendo da ITAEx uma Associação cada vez mais forte, apoiando nossos alunos e professores, e criando diferenciais competitivos ao longo do tempo.
Deixo aqui um grande abraço e um sincero agradecimento a todos da ITAEx.